Violência contra crianças: como identificar, prevenir e proteger

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante o direito de toda criança crescer e se desenvolver em ambientes seguros, livres de qualquer forma de violência. No entanto, a realidade brasileira ainda expõe milhares de crianças a diferentes tipos de agressão, muitas vezes dentro da própria casa.
A violência na infância pode comprometer gravemente o desenvolvimento emocional, físico e social da criança, além de provocar traumas profundos que, sem o devido acompanhamento, podem se estender por toda a vida. Para o psicólogo Ivã Zorthea, o impacto dessas experiências traumáticas não deve ser subestimado.
“A violência contra a criança deixa marcas invisíveis. Muitas vezes, são essas feridas emocionais que causam maior sofrimento ao longo do tempo, levando à depressão, transtornos de ansiedade e baixa autoestima”, afirma o especialista.
Violência nem sempre é visível
De acordo com Zorthea, muitas crianças não reconhecem que estão vivendo situações de violência, especialmente quando a agressão parte de pessoas com quem possuem laços afetivos, como pais, tios ou irmãos. Isso dificulta ainda mais a denúncia e o acesso à rede de proteção.
“A criança entende o mundo a partir da referência dos adultos que a cercam. Se esses adultos agridem, ameaçam ou negligenciam, ela pode entender isso como parte do normal. É aí que entra a responsabilidade da sociedade: estar atenta aos sinais”, explica o psicólogo.

Saiba como conseguir atendimento psicológico
As crianças podem conseguir atendimento na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). “A violência infantil é acolhida pelo Savvi – Serviço de Atendimento Vítimas de Violência Infantil – do HAC/PAI e IMPe – Instituto Macapaense de Pediatria, e encaminhados para acompanhamento psicológico na rede”, garantiu Ivã.
Denúncias podem ser feitas na Delegacia Especializada de Repressão a Crime Contra Criança Adolescente (DERCCA), localizada na Avenida Fab, próximo ao Fórum de Macapá e Conselhos Tutelares.
Em caso de atendimento psicológico para ansiedade e depressão, atendimentos são realizados nas Unidades Básicas de Saúde. Já atendimentos em casos de surtos psicológicos devem ser encaminhados para o Hospital da Criança e do Adolescente.
Em casos mais graves, como os de tentativa de suicídio, automutilação os encaminhamentos são para o CAPSi. O Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSi) é um serviço público de saúde que atende crianças e adolescentes que apresentem intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes (até os 17 anos, 11 meses e 29 dias).
Zorthea reforça que o apoio psicológico é um passo fundamental para a recuperação da vítima. “Quanto mais cedo essa criança for acolhida, maiores são as chances de que ela supere o trauma e retome um desenvolvimento saudável”, finalizou.
Seis formas de violência
A violência contra crianças e adolescentes pode se manifestar de diferentes formas. O psicólogo ajudou a detalhar as principais, com orientações para identificá-las:
- Negligência:
Acontece quando o responsável falha em atender às necessidades básicas da criança, como alimentação, cuidados de saúde, higiene, educação e afeto. “A negligência emocional é tão destrutiva quanto a física”, pontua Zorthea. - Violência Psicológica:
É a mais comum e a mais difícil de detectar. Inclui xingamentos, humilhações, rejeição, isolamento e ameaças. “Ela corrói a autoconfiança da criança e afeta profundamente sua construção como indivíduo.” - Violência Física:
Envolve agressões físicas deliberadas, como tapas, espancamentos, queimaduras ou fraturas. “Muitos ainda acham que bater ‘educa’, quando na verdade ensina a ter medo”, alerta. - Violência Sexual:
Talvez a mais silenciosa e devastadora. Envolve abuso com ou sem contato físico, como toques inapropriados, conversas de teor sexual ou exibicionismo. “Infelizmente, a maioria dos abusos ocorre no ambiente familiar”, diz o psicólogo. - Violência Escolar:
Pode ser praticada por colegas ou até mesmo por educadores. Envolve maus-tratos físicos, emocionais ou negligência. Um dos exemplos mais comuns é o bullying. - Bullying:
Agressões repetidas entre colegas, físicas ou verbais, que causam sofrimento emocional intenso. “Crianças vítimas de bullying tendem a desenvolver isolamento social, fobias e traumas duradouros”, alerta Zorthea.
Quando o comportamento é um pedido de ajuda
Sinais como alterações bruscas de humor, queda no desempenho escolar, agressividade, apatia ou isolamento podem ser indicativos de que algo está errado. Nem sempre esses sinais confirmam uma violência, mas são um alerta para que familiares e profissionais estejam atentos.
“O comportamento da criança é a linguagem dela. Quando ela não sabe expressar com palavras, ela fala com o corpo e com atitudes. Cabe aos adultos entenderem esse chamado”, afirma o psicólogo.
Ivã Zorthea atua na Coordenação Estadual de Saúde Mental, e tem experiência de 2 anos e meio como psicólogo do Conselho Tutelar.