A brutalidade dos 61 socos: o caso que chocou o Brasil e a luta contra o feminicídio

Há algumas semanas, a coluna Jurídica do Portal Alyne Kayser falou sobre as falsas denúncias de crimes da Lei Maria da Penha, ( https://alynekaiser.com/saiba-mais-sobre-a-lei-maria-da-pena/ ) bem como suas consequências criminais, porém não podemos negar que, na maioria das vezes, as denúncias são verdadeiras e o verdadeiro agressor deve arcar com as consequências dos seus atos. Um dos últimos casos de bastante repercussão é o que comentaremos a seguir, segundo as atualizações das leis brasileiras.
O Brasil foi palco de mais um episódio chocante de violência contra a mulher, que reacendeu o debate sobre o feminicídio e a urgência de combater a violência de gênero. O caso de Igor Eduardo Pereira Cabral, ex-jogador de basquete, que desferiu 61 socos contra sua namorada, Juliana Garcia dos Santos, em um elevador em Natal, Rio Grande do Norte, não apenas expôs a barbárie da agressão, mas também trouxe à tona as complexidades legais e sociais que envolvem crimes dessa natureza.
A Agressão e a Tipificação como Tentativa de Feminicídio
As imagens da agressão, capturadas por câmeras de segurança, são estarrecedoras. Igor Eduardo Pereira Cabral, de 29 anos, atacou Juliana Garcia dos Santos com uma sequência brutal de 61 socos no rosto. A violência extrema, a desproporção da força e o local da agressão (um elevador, onde a vítima estava encurralada e sem possibilidade de fuga) são elementos cruciais para a tipificação do crime como tentativa de feminicídio.
O feminicídio, conforme a Lei nº 13.104/2015, é o homicídio praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Isso significa que o crime não é apenas um assassinato, mas um assassinato motivado pela misoginia, pelo desprezo ou pela discriminação à mulher. No caso de Juliana, a brutalidade dos golpes, especialmente direcionados ao rosto, e o histórico de agressões anteriores por parte de Igor, conforme apurado pela Polícia Civil, reforçam a tese de que a violência foi motivada pela condição de gênero da vítima.
A tentativa de feminicídio ocorre quando o agressor inicia a execução do crime com a intenção de matar a mulher por razões de gênero, mas não consegue consumar o ato por circunstâncias alheias à sua vontade. No caso em questão, a intervenção do porteiro do prédio foi essencial para impedir o desfecho fatal, mas a intenção do agressor, evidenciada pela quantidade e intensidade dos golpes, aponta para a tentativa de ceifar a vida de Juliana.
As Penas para o Feminicídio e a Tentativa de Feminicídio
A legislação brasileira tem endurecido as penas para o feminicídio, reconhecendo a gravidade desse crime. Recentemente, a Lei nº 14.994/2024, sancionada em outubro de 2024, ampliou a pena para o feminicídio, que agora varia de 20 a 40 anos de reclusão. Antes, a pena era de 12 a 30 anos. Essa alteração reflete a crescente preocupação do legislador em coibir a violência letal contra a mulher.
No caso da tentativa de feminicídio, a pena é reduzida de um a dois terços, conforme o artigo 14, inciso II, do Código Penal. No entanto, a base de cálculo é a pena do feminicídio consumado. Portanto, mesmo na modalidade tentada, a pena pode ser bastante severa, variando de aproximadamente 6 anos e 8 meses a 26 anos e 8 meses de reclusão, dependendo da avaliação do juiz sobre o iter criminis (caminho do crime) percorrido pelo agressor.
Além da pena de reclusão, o agressor pode ser condenado a outras sanções, como o pagamento de indenização por danos morais e materiais à vítima, bem como medidas protetivas de urgência, que visam garantir a segurança de Juliana e impedir novas agressões.
A Prisão e a Situação Carcerária de Igor Cabral
Igor Eduardo Pereira Cabral foi preso em flagrante no dia seguinte à agressão, 27 de julho, e sua prisão foi convertida em preventiva. A prisão preventiva é decretada quando há indícios suficientes de autoria e materialidade do crime, e quando a liberdade do acusado representa risco à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. No caso de Igor, a gravidade da agressão e o risco de reincidência foram fatores determinantes para a manutenção de sua prisão.
Após a prisão, Igor foi transferido para a Cadeia Pública Dinorá Simas, em Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte. No entanto, sua estadia na prisão não foi isenta de controvérsias. Igor denunciou ter sido agredido fisicamente por policiais penais que estavam de plantão na unidade. A Secretaria da Administração Penitenciária (SEAP) do Rio Grande do Norte informou que está apurando as denúncias de agressão, o que levanta questões sobre as condições carcerárias e o tratamento de detentos, mesmo aqueles acusados de crimes hediondos.
O Processo Daqui Para Frente
O processo judicial contra Igor Eduardo Pereira Cabral seguirá as etapas do rito processual penal. Após a fase de inquérito policial, em que a Polícia Civil coleta provas e informações, o Ministério Público oferecerá a denúncia, formalizando a acusação. A partir daí, o processo seguirá para a fase de instrução, onde serão ouvidas testemunhas, produzidas provas e realizadas perícias.
Considerando a tipificação como tentativa de feminicídio, o caso será julgado pelo Tribunal do Júri, que é o órgão competente para julgar crimes dolosos contra a vida. No Tribunal do Júri, um conselho de sete jurados, representantes da sociedade, decidirá sobre a culpa ou inocência do réu, e o juiz proferirá a sentença, aplicando a pena cabível.
É importante ressaltar que o processo pode ser longo e complexo, com possibilidade de recursos em diversas instâncias. A defesa de Igor provavelmente buscará desqualificar a acusação de tentativa de feminicídio, alegando, por exemplo, que não houve intenção de matar ou que a agressão foi motivada por outros fatores. No entanto, a robustez das provas, especialmente as imagens da agressão e o histórico de violência do agressor, serão elementos cruciais para a acusação.
Além do processo criminal, Juliana Garcia dos Santos poderá buscar reparação na esfera cível, pleiteando indenização por todos os danos sofridos, incluindo despesas médicas, psicológicas e estéticas, bem como danos morais pela violência e trauma vivenciados.