Mulheres extrativistas lançam Protocolo Comunitário Biocultural e fortalecem a gestão participativa na Amazônia

No dia 21 de outubro, o Museu Sacaca, em Macapá/AP, recebeu o lançamento do Protocolo Comunitário Biocultural Mulheres – Sementes do Rio Araguari, um marco para o extrativismo amapaense e para o fortalecimento da governança territorial das comunidades do rio Araguari.
O documento foi elaborado coletivamente pelas mulheres da Associação de Mulheres Extrativistas Sementes do Araguari, formada por moradoras das comunidades situadas no alto curso do rio Araguari, região localizada entre a Floresta Estadual do Amapá (Flota/AP) e a Floresta Nacional do Amapá (Flona/AP). Essas mulheres vivem da coleta e beneficiamento de sementes, frutos e óleos vegetais da floresta — como andiroba, pracaxi, copaíba e breu-branco — e têm no extrativismo uma importante fonte de renda, identidade e pertencimento.
O protocolo consolida as regras próprias, os direitos e as práticas tradicionais dessas extrativistas, reafirmando o protagonismo feminino na gestão dos recursos naturais e na preservação da biodiversidade amazônica. Mais do que um instrumento normativo, o documento é uma expressão de autonomia, resistência e afirmação cultural, reconhecendo os saberes das mulheres como fundamentais para a conservação dos ecossistemas e o fortalecimento das economias da sociobiodiversidade.
O evento contou com a presença de lideranças comunitárias, representantes de órgãos públicos, organizações da sociedade civil e pesquisadores, que destacaram a importância do diálogo entre o conhecimento tradicional e o científico na defesa dos territórios amazônicos. A iniciativa teve o apoio do Governo do Estado do Amapá, por meio da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), e do Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena.
Reconhecimento e autonomia
Durante o lançamento, Rosângela Mota, extrativista da Associação Sementes do Araguari, expressou o significado do momento para as comunidades do alto rio Araguari. “Esse protocolo foi uma grande conquista para nós, ribeirinhas. A partir dele, temos mais autonomia para falar, expor nossos produtos e mostrar o trabalho que fazemos na floresta”, afirmou.
Para a secretária de Estado do Meio Ambiente, Taísa Mendonça, o documento se alinha às políticas públicas estaduais voltadas à sociobioeconomia: “Aqui estão compilados saberes dessas mulheres que há muito tempo trabalham com nossa cultura e identidade. O protocolo se encaixa perfeitamente quando o governo finaliza o plano de apoio à sociobioeconomia, mostrando que os saberes da Amazônia estão vivos e fortalecidos”, destacou.

Taisa Mendonça
O coordenador do Programa de Gestão da Informação do Iepé, Décio Yokota, ressaltou a relevância do protocolo no contexto regional: “É uma honra apoiar esse trabalho no escopo do Mosaico da Amazônia Oriental. O protocolo representa mais um passo para a sustentabilidade de uma comunidade fundamental para a Floresta Estadual e a Floresta Nacional do Amapá”, afirmou.
A presidente da Associação Sementes do Araguari, Arlete Pantoja, celebrou a conquista coletiva. “O lançamento do nosso protocolo é uma grande vitória. Agora temos um documento que reconhece nossos direitos, deveres e o trabalho que fazemos pela floresta”, destacou.
Trajetória de organização e resistência
A história da Associação Sementes do Araguari reflete o processo de transformação social e econômica vivido pelas comunidades extrativistas da região.
Nos anos 1970, o garimpo se instalou no território, alterando profundamente o modo de vida local. Muitas mulheres trabalhavam direta ou indiretamente com as atividades garimpeiras, atuando como comerciantes, cozinheiras ou produtoras de alimentos. Com a extinção do garimpo em 2009, após a criação das Unidades de Conservação, a renda das famílias foi fortemente impactada, levando muitas delas a se deslocarem para centros urbanos.
Em 2014, uma parceria entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e instituições parceiras promoveu oficinas de produção de sabonetes, pomadas e velas repelentes com o uso da andiroba. A iniciativa visava oferecer alternativas de geração de renda sustentável para as mulheres que permaneceram no território.
A partir dessas ações, o grupo se estruturou, ampliou o uso de espécies nativas e, em 2019, formalizou sua atuação como associação. Hoje, a Associação de Mulheres Extrativistas Sementes do Araguari reúne 68 associadas e associados, possui sede própria na Floresta Estadual do Amapá e uma infraestrutura voltada ao processamento de plantas e produção artesanal de sabonetes, unguentos, óleos, tinturas e velas.
O lançamento do Protocolo Comunitário Biocultural marca mais um capítulo na trajetória dessas mulheres, consolidando um modelo de gestão participativa e comunitária que fortalece o papel das populações tradicionais na conservação da Amazônia e na promoção da sociobioeconomia.
Apoio e acompanhamento técnico
O Instituto Iepé acompanha a trajetória da Associação Sementes do Araguari desde sua concepção, oferecendo apoio técnico e institucional para o fortalecimento organizativo, o aprimoramento das práticas produtivas e a consolidação do trabalho das extrativistas. Essa parceria tem contribuído para ampliar o protagonismo das mulheres na gestão territorial e na valorização dos conhecimentos tradicionais como pilares da sustentabilidade amazônica.
Acesse o Protocolo: https://institutoiepe.org.br/wp-content/uploads/2025/10/Protocolo_Sementes_Araguari_low.pdf