
Escrito pela educadora, escritora e ativista cultural Laura Cristina da Silva, mais conhecida como Laura do Marabaixo, o livro “A Turminha do Laguinho” é mais do que uma obra literária. É um ato de resistência, de memória e de afirmação da identidade cultural do povo afro-amapaense. Inspirado nas vivências da infância da autora no bairro do Laguinho, em Macapá, o livro traz à tona as tradições, costumes e brincadeiras de uma geração conectada com o ciclo do Marabaixo, símbolo maior da cultura popular do estado.
“Escrever esse livro é fortalecer os saberes, costumes e tradições do nosso povo. Essa riqueza cultural vai além do dançar, do Marabaixo, do cantar ou tocar. É uma cultura que fortalece a educação, porque um povo sem cultura é um povo sem história”, afirma Laura.

A obra, que já teve sua primeira tiragem de 300 exemplares esgotada, é voltada principalmente ao público infantil, mas dialoga diretamente com professores, pais, educadores e agentes culturais que buscam novas formas de inserir a diversidade racial e cultural nos espaços de ensino.
Educação com identidade e inclusão
Um dos pilares do livro é a sua contribuição para a aplicação da Lei 10.639/03, que tornou obrigatória a abordagem da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas. Para a autora, essa legislação precisa ser vivida de forma prática, principalmente em estados como o Amapá, onde mais de 76% da população se autodeclara preta ou parda.
“A obra fortalece essa aplicabilidade da lei. É um livro que traz os saberes, costumes e tradições do povo afro-amapaense e também propõe inclusão. Recebi relatos de mães de crianças autistas que disseram que o tamanho da fonte usado no livro facilitou a leitura para seus filhos. Isso me tocou profundamente”, disse.

Um sonho realizado
Laura conta que levou três anos para concluir o projeto, que envolveu pesquisa, escrita cuidadosa e a colaboração de parceiros. A obra nasceu das histórias contadas por sua avó, Benedita Guilherme Alves, conhecida como Tia Biló, figura importante na memória afetiva e cultural da autora e do Amapá.
“Esse livro foi pensado, gerado e parido. É um filho que me deu, e tem me dado, muitas alegrias. A receptividade foi além do que eu imaginava. Estou surpresa e feliz com tudo o que ele já gerou.”
O sucesso da primeira tiragem já impulsionou uma nova fase: uma segunda edição está a caminho, junto com outras obras em produção, incluindo cartilhas e cadernos pedagógicos com foco nas manifestações culturais do Ciclo do Marabaixo.
Pedagogia antirracista e protagonismo negro
Mais do que um registro de memórias, A Turminha do Laguinho propõe uma pedagogia antirracista, com foco na valorização da intelectualidade negra e no reconhecimento dos saberes ancestrais como ferramentas educativas legítimas.
“É desconstruir para construir. Mostrar que o conhecimento negro é rico, grandioso. Que entre nós há homens, mulheres e crianças negras intelectuais. A literatura me permitiu relatar a minha história e os costumes do meu povo, que muitas vezes foram colocados em lugar de submissão.”
Laura reforça a importância de que mais pessoas negras contem suas próprias histórias: “Vamos nós contarmos as nossas histórias. Vamos ser protagonistas do nosso fazer, da nossa memória. Nossa história é rica e precisa estar nos livros”, afirmou.
Um legado em construção
O livro também retrata as vivências com outras crianças do Laguinho, meninos e meninas que, assim como ela, carregavam a herança cultural do Marabaixo dentro de casa e a levavam para os espaços de convivência, especialmente a escola.
Com novos projetos já em fase de ilustração e envio para gráfica, Laura garante que A Turminha do Laguinho é só o começo.
“Vêm mais livros, cartilhas, cadernos de exercício. Tudo pensado pedagogicamente, para continuar levando a cultura do nosso povo às novas gerações. A literatura abriu um caminho e eu sigo nele”, finalizou a escritora.